quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Sem porta de saída

Programas de renda mínima não são uma invenção nem uma exclusividade brasileira. Ganham espaço em várias partes do mundo, sob as mais diversas formas, mas sempre financiados pelo Estado. O brasileiríssimo Bolsa Família tem alcançado os seus objetivos. O desembolso do governo cresceu 10% ao ano nos últimos quatro anos, após a estabilização do programa, alcançando um orçamento anual de R$ 13 bilhões, com 12,7 milhões de famílias assistidas. Isso representa um quarto da população brasileira. Em média, cada família recebe R$ 85 por mês. Mas o problema desse tipo de programa não é como entrar nem como fazê-lo crescer, e sim como sair dele. O ideal seria que essas pessoas, com o tempo, fossem capaz de andar com as próprias pernas. Não é o que tem acontecido. Faltam os investimentos em infraestrutura e na geração de emprego e renda.
O programa de complementação de renda já existia no final do governo Fernando Henrique Cardoso, com os nomes de Bolsa Escola e Bolsa Alimentação. Os beneficiados recebiam no mesmo jeito, com um cartão magnético. O volume de recursos, porém, era bem menor. Em valores atualizados, ficou em R$ 4,5 bilhões em 2002. O governo Luiz Inácio Lula da Silva ampliou o repasse a cada ano, chegando a R$ 8 bilhões em 2004 e a R$ 10 bilhões em 2006, quando foi atingida a meta inicial de 11 milhões de famílias beneficiadas. Em valores atualizados, o governo colocou R$ 80 bilhões no programa ao longo de oito anos.
Nesse período, foram feitos 4,8 milhões de cancelamentos, a metade porque as famílias atingiam um rendimento acima do mínimo permitido — uma renda mensal de até R$ 140 por pessoa. O restante foi consequência do descumprimento das condicionantes impostas, como a manutenção das crianças na escola, vacinação em dia e acompanhamento pré-natal. Mas o número de novos beneficiados foi sempre maior do que o de desligamentos. Estudos do Institutode Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que o valor necessário para atender a todas as famílias em situação de pobreza seria em torno de R$ 20 bilhões ao ano. A presidente eleita, Dilma Roussef, afirma que vai erradicar a miséria, mas ela pode ter certeza de que não será ampliando o orçamento do Bolsa Família, que parecer ser um saco sem fundo.
O governo precisa analisar melhor os investimentos nos bolsões de miséria do país, localizados principalmente no Nordeste. Sem estradas transitáveis, sem irrigação, sem energia elétrica, sem uma educação de qualidade, não haverá nunca um mercado de trabalho real no sertão. Haverá sempre o subemprego, o trabalho por diária, a changa, a produção de mela, pagando renda. O maior investimento em infraestrutura para a região previsto pelo Programa de Aceleração do Crescimento foi a Ferrovia Transnordestina, que vai interligar o sertão aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE). Um total de R$ 5,4 bilhões. Após quatro anos de execução, foram feitos apenas 10% da obra. Nesse ritmo, serão necessários 10 mandatos para a sua conclusão.
A Transposição do Rio São Francisco, projetada para levar água a 12 milhões de sertanejos, com custo de R$ 4,8 bilhões, tinha execução de 43% no último balanço do PAC. Juntas, as duas obras haviam consumido R$ 2,6 bilhões no governo Lula, pouco mais de 3% do total pago pelo programa de renda mínima. Luiz Gonzaga cantava que a esmola a um homem que é são ou "mata de vergonha ou vicia o cidadão". A verdade não é bem essa. O cruzamento de dados dos ministérios do Desenvolvimento Social e do Trabalho, feito pelo Correio, mostra que o crescimento de carteiras assinadas foi bem maior do que a média nacional nos municípios que, proporcionalmente,mais recebem o Bolsa Família. Ninguém vai ficar viciado numa renda mensal de R$ 85. Todos querem ter o orgulho de "ser fichado" — ter carteira assinada.As pessoas não conseguem entrar no mercado de trabalho porque não estão preparadas para isso, ou simplesmente porque não existe esse mercado.
Mas podem apostar que o Bolsa terá continuidade. Um dos motivos é o efeito eleitoral desse programa. Dilma deu uma lavada nos municípios nordestinos que mais recebem benefícios. Ela venceu José Serra em 98 dos 100 colégios eleitorais que mais concentram o auxílio. Em Guaribas, cidade-mãe do Bolsa Família, o tucano havia vencido Lula em 2002, fazendo 73% dos votos válidos. Neste ano, ele teve apenas 9% dos votos, contra 90% da petista. Ali, 82% dos moradores recebem o benefício. O curral eleitoral mudou de dono!

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