sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O que é isso, companheiro?

Nas Entrelinhas  - Lúcio Vaz, Correio Braziliense - 11/11/2010
A imprensa realmente erra, mas é bom deixar claro que já existe no Brasil uma legislação que pune veículos e jornalistas que cometem erros ou excessos

Pela contundência, quase arrogância, do ministro de Comunicação Social, Franklin Martins, não parece que o governo Lula esteja terminando, mas sim começando. O ministro fala como se o governo Dilma Rousseff fosse apenas uma extensão do atual. Abrindo o seminário sobre a regulamentação do setor de mídias eletrônicas, ele afirmou que a discussão terá que ser feita “num clima de entendimento ou de enfrentamento”, e que ninguém terá o poder para impedir esse debate. Primeiro, ninguém está se negando a debater. Segundo, ninguém teme o enfrentamento. E o ministro pode ter certeza de que haverá uma enorme resistência a qualquer forma de controle sobre o conteúdo jornalístico, seja ele nos meios eletrônicos ou impressos.

Em tom quase delirante, Franklin disse que os “fantasmas passeiam por aí, arrastando correntes”. Talvez sejam os fantasmas da ditadura militar, que ele tanto combateu. Quem fez jornalismo durante a ditadura sabe o que é o controle da imprensa. Mas ninguém precisa ter vivido aqueles tempos para saber o que significa essa mordaça. Por uma coincidência providencial, no mesmo dia do seminário montado pelo ministro, a Sociedade Interamericana de Imprensa encerrou a sua 66ª Assembleia Geral, no México, alertando que o assédio do narcotráfico e dos governos latino-americanos de esquerda à liberdade de imprensa são comparáveis à ação das ditaduras militares nas décadas de 1960 e de 1970 na região. Foram citados como exemplos Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina. O Brasil está fora dessa turma, e vai continuar fora.

O ministro disse que a imprensa livre não é necessariamente boa e que a imprensa erra. E acrescentou que não defende a restrição, mas sim a regulação. A imprensa realmente erra, mas é bom deixar claro que já existe no Brasil uma legislação que pune veículos e jornalistas que cometem erros ou excessos. Até penas de prisão estão previstas. As indenizações por danos morais podem ser milionárias. Ou seja, quem quiser caluniar ou difamar, que se prepare para as consequências. O que não pode haver é o controle do conteúdo dos meios de comunicação pelo poder público, muito menos a censura prévia, seja ela imposta pelo Executivo ou pelo Judiciário.

Caminho inverso
O presidente da entidade responsável pela regulação da comunicação social em Portugal, José Azeredo Lopes, afirmou no seminário que a regulação de imprensa existe em seu país, mas é transitória e está prestas a acabar, porque o setor contará com regulação própria. Pelo gosto do ministro Franklin, estaríamos percorrendo o caminho inverso. Sobre a autorregulação, seria interessante tanto para empresas quanto para os jornalistas. No caso dos profissionais, seria algo como os conselhos regionais de medicina ou de engenharia. Mas surgiu um obstáculo para os jornalistas. Recente decisão do Supremo Tribunal Federal enfraqueceu a carreira com o fim da exigência do diploma. Não há mais como controlar quem exerce a atividade jornalística.

Hoje, qualquer um pode criar um blog e sair falando o que quiser de todo mundo. A prática funciona inclusive em campanhas políticas. O seu registro profissional não poderá ser cassado simplesmente porque não existe. Os excessos praticados via internet também precisam ser contidos pela lei, mas haverá sempre uma limitação: os endereços “ponto com” a partir do exterior. Como controlar alguém que atua fora do país? O seminário apresentou modelos de regulação em diversos países, cada um com a sua realidade. Como disse, o debate é bem vindo, não a imposição de verdades. No fim, Franklin tentou amenizar o clima da véspera, argumentando que “regular conteúdo” significaria impor obrigações de conteúdo, como a valorização da cultura nacional, a proteção à criança, o respeito aos direitos do cidadão. Então tá!

No dia anterior, na busca de argumentos, o ministro criticou a propriedade de canais de televisão por deputados e senadores. O setor teria virado “terra de ninguém”. Segundo ele, esse tema vem sendo evitado e agora seria a oportunidade para entrar no debate. Agora, após oito anos de governo Lula? Esse quadro está posto há décadas, desde o início da redemocratização do país, nos anos 1980. O atual presidente preferiu não mexer nesse vespeiro, repleto de aliados políticos, entre eles o presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP). Parece que o ministro de Comunicação Social quer passar a bola para a presidente eleita. Imaginem juntar esse debate com a distribuição dos ministérios, dos cargos de segundo e de terceiro escalões, com a volta da CPMF e com os aumentos para servidores públicos. Vai acabar ficando para o fim do governo, ou quem sabe para o próximo.

Acesse o link: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/11/11/o-que-e-isso-companheiro
Fonte: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/

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