quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Besouro na sopa - Celso Ming

Artigo publicado na Coluna do Ming no site do Estadão em 10/11/20010 
Besouro na sopa

Celso Ming

A fraude bilionária e a solução dada ao caso do Banco Panamericano levantam inúmeras dúvidas, todas de interesse público.
Difícil entender como um rombo contábil gigantesco de R$ 2,5 bilhões permanece meses e meses sem ser detectado e vai passando por tanta gente que está ali para farejar anomalias.

Passou pelos auditores e pelos analistas responsáveis pelo IPO (oferta pública de ações) de R$ 679 milhões, em novembro de 2007. Passou pelos auditores da Caixa Econômica, que no final do ano passado se dedicaram a uma “due diligence” no patrimônio do banco para adquirir 49% de seu controle, e pelos da KPMG (a mesma que auditava os livros maquiados do falecido Banco Nacional), que acompanharam o negócio. Pelos da Deloitte, que deram atestado de que o balanço do Panamericano estava lindo. E passou pelo crivo das agências de classificação de risco, conhecidas pela sua cegueira, que só agora estão rebaixando a qualidade de seu passivo.
Falta saber, também, por que o Banco Central só foi identificar o besouro na sopa há pouco mais de um mês. Desde setembro de 2008, quando quebrou o Lehman Brothers, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vinha afirmando que não há banco brasileiro com problemas. Agora se toma conhecimento de que havia pelo menos um. Ou seja, o organismo encarregado da supervisão e da fiscalização não sabia de nada.
Uma segunda enorme dúvida está na cobertura do rombo de R$ 2,5 bilhões com as propriedades do Grupo Silvio Santos. Afirma o presidente do conselho do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), Gabriel Jorge Ferreira, que as garantias apresentadas perfazem R$ 2,7 bilhões sendo, portanto, suficientes para enfrentar “as inconsistências contábeis”.
Boa pergunta está em saber como, em pouco menos de 15 dias, as autoridades do FGC conseguiram fazer a avaliação dessas garantias. Além disso, qualquer um sabe que uma coisa é o valor de mercado de cada uma dessas propriedades antes do acontecido e, outra, bem diferente, depois da deterioração dos fluxos de caixa.
Os acionistas minoritários aparentemente não acreditam em que o patrimônio do banco esteja a salvo. Tanto não acreditam que boa parte deles se livrou de suas ações com um deságio que, em dois dias, chega a quase 35% do que era.
Gabriel Ferreira avisa que o Panamericano tem neste momento um bolo de R$ 3,8 bilhões (os R$ 2,5 bilhões do empréstimo mais R$ 1,3 bilhões em caixa), suficiente para enfrentar a agora inevitável onda de saques. Em todo o caso, como banco é um negócio em que confiança é quase tudo, é difícil vê-lo de novo em pé, sem transferência do seu controle ou sem fatiamento dos seus ativos.
O provável fim do Grupo Silvio Santos, que foi entregue em garantia do empréstimo feito pelo FGC, pode inviabilizar o SBT, a rede de TV aberta por ele controlada. A Rede Globo absorve cerca de 80% do faturamento do setor. Isso significa que sobram apenas 20% do todo a ser disputado pelas demais redes de TV. O SBT deverá a partir de agora enfrentar dificuldades extras para investir em programação, uma vez que perde parte da sustentação que tinha dos demais negócios do grupo.
O desfecho terá consequências políticas de difícil avaliação. Ontem, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado já tomou os primeiros passos para ouvir auditores e outros responsáveis pelas omissões ocorridas no caso.
CONFIRA
Descasamento. Todo negócio bancário envolve descasamento de prazos de vencimento entre passivo e ativo. Em geral, todo banco deve no curto prazo (depósitos em conta corrente e aplicações), que correspondem a créditos de prazo mais longo (empréstimos). São as tais condições que exigem enormes reservas bancárias e forte capitalização.
Em família. Difícil entender como o empresário Silvio Santos (Senor Abravanel) colocou a direção do banco nas mãos de um membro da família que aparentemente não tinha preparo para isso.
O sócio. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, avisa que já há interessados pelo Panamericano, nas condições em que foi saneado. O comprador terá como sócio mais importante a Caixa Econômica, que sempre enfrenta pressões políticas. Será isso bom ou ruim para um banqueiro privado? Para o empresário Silvio Santos era bom e isso aparentemente facilitou a solução.

Acesse o link: http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2010/11/10/besouro-na-sopa/
             Fonte: http://www.estadão.com.br/

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