O Globo - 27/01/2011 Marie-Pierre Poirier Nos últimos dias, o Brasil e o mundo vêm acompanhando a tragédia que atingiu a Região Serrana do Rio de Janeiro. O rastro de destruição deixado pelas fortes chuvas gerou imagens tão impressionantes como as do tsunami no Sul asiático e do terremoto no Haiti. É muito tocante ver o País unido em uma corrente de solidariedade, de apoio às famílias atingidas, liderada pelo Sistema de Defesa Civil, por meio dos governos federal, estadual e municipais, com a participação de dezenas de organizações sociais e cidadãos voluntários. Uma semana após a tragédia, temos de olhar com mais cuidado e atenção para as parcelas da população que, em uma situação como esta que vive a Região Serrana do Rio de Janeiro, se encontram mais vulneráveis: crianças e adolescentes. É fato: todas e cada uma das crianças e adolescentes sempre devem ter os seus direitos garantidos e assegurados, não importa qual seja a situação. Entretanto, durante as emergências, meninas e meninos se encontram mais expostos a situações que podem afetar permanentemente seu desenvolvimento físico e psicológico. A atenção prioritária para as crianças e adolescentes se justifica especialmente por conta das consequências imediatas que elas podem sofrer, como a desnutrição, surtos de doenças infecciosas, interrupção das atividades escolares, perda da moradia e do contato com a família, abuso sexual, tráfico de seres humanos e outras formas de violência. Situações como a da Região Serrana fluminense geram também repercussões profundas e, muitas vezes, de longo prazo na vida de crianças, tais como a perda de qualidade de vida e da rotina familiar devido à prolongada situação de abrigamento provisório, o comprometimento da saúde e nutrição, o atraso e o abandono escolar, além de traumas psicológicos permanentes. É preciso dirigir cuidado e atenção especiais a um grupo particularmente vulnerável: as crianças separadas de suas famílias, assegurando a elas uma ampla rede de proteção sob responsabilidade do poder público. O primeiro passo é identificá-las e garantir um abrigo seguro, onde elas possam ser registradas apropriadamente e ter atenção e cuidado devidos. O passo seguinte é, sempre que possível, tentar reuni-las às suas famílias, buscando alternativas de atenção para aquelas cujos familiares não foram encontrados. É importante ressaltar que a adoção - de acordo com a legislação brasileira e o Tratado de Haia - é uma opção que só deve ser considerada quando excluídas as possibilidades de reunir a criança com seus pais ou outros familiares. A infância e a adolescência são etapas especiais do ciclo de vida. Devem ser vistas como uma janela de oportunidades para o desenvolvimento humano que, se não forem plenamente aproveitadas, trazem consequências que impactam toda a vida adulta. Dessa maneira, devido a essa condição especial de desenvolvimento, é essencial que crianças, adolescentes e mulheres grávidas recebam atenção diferenciada, especialmente em situações de emergência, garantindo que estejam protegidos, saudáveis e que suas rotinas sejam afetadas o mínimo possível, promovendo o retorno à normalidade. Aqui vale lembrar que a Constituição Brasileira, no seu artigo 227, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Convenção sobre os Diretos da Criança das Nações Unidas - da qual o Brasil é signatário - asseguram a meninos e meninas o direito de serem tratados como prioridade absoluta, seja qual for a situação. O Unicef, em mais de seis décadas de atuação, está e esteve presente nas maiores e mais complexas emergências em todo o mundo, buscando promover e garantir os direitos de crianças e adolescentes. Nosso trabalho baseia-se nos Compromissos Centrais para a Infância na Ação Humanitária, que são um marco mundial que delimita marcos de referência e ações programáticas essenciais para garantir os direitos de crianças em situação de emergências. Independente das proporções, do número de vidas perdidas e de pessoas afetadas, é preciso que governos e sociedade trabalhem coordenados para que os impactos da tragédia sejam os menores possíveis para cada uma das crianças e adolescentes afetados e para impedir que a janela de oportunidade se feche diante de nossos olhos. |
MARIE-PIERRE POIRIER é representante do Unicef no Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário