O Globo -21/01/2011
Luiz Garcia
Insistindo em tema anualmente obrigatório: as lições de uma tragédia são aprendidas aos poucos. Primeiro, a notícia da devastação bate na consciência coletiva da forma mais natural e compreensível: as vítimas são a nossa gente — e pelos nossos faremos tudo o que for possível. Isso tem de ficar bem claro e mais ainda demonstrado. E é o que acontece.
A solidariedade é universal, como deve ser, como é bom e necessário que seja, em benefício das vítimas e da consciência de quem nada perdeu, nada sofreu. Foi assim em momentos anteriores, nos mesmos lugares, em anos passados.
Mas uma segunda hora tem de chegar: aquela em que se pergunta: por que? Por que de novo, na mesma região, na inevitável estação das chuvas de começo de ano? É o momento em que essa coincidência exige escrutínio e cobrança.
O que aconteceu em território do Estado do Rio e, em menor escala trágica, de Minas, não foi coincidência, nem azar gratuito. Simplesmente — se existe alguma coisa simples no desastre — o perigo foi ignorado, o que aconteceu em outros anos foi ignorado. O que deveria ter sido feito, trabalhoso, de custo alto, mas não complexo, era a implementação de uma política racional e prudente das encostas movediças da serra.
Disso, ninguém cuidou antes das chuvas de verão — essas, sim, o único fenômeno tão sazonal quanto inevitável, Não sairia barato, nem seria fácil. Mas, com certeza, mais fácil e mais barato, para a consciência do Estado — se é que isso existe — do que tudo que se tem feito, neste triste começo de ano, para socorrer os sobreviventes e sepultar os mortos.
Não se pode alegar que a resposta do Estado à tragédia tenha sido menor do que se esperava e se sabia indispensável.
Mas agora, e depois que as imagens trágicas e chocantes começam a deixar de ser vistas na televisão, está na hora de o governo estadual, ajudado, como deve ser, por Brasília, acrescentar um item na agenda de sua resposta às inevitáveis chuvas de começo de ano.
Não seria complicado, nem artificial, combinar uma visita à hoje devastada Região Serrana, digamos, em setembro e outubro. Para a opinião pública conferir as medidas de ocupação da terra, e tudo o mais que tem a ver com o problema, na véspera da temporada de chuvas do verão que vem.
Porque as chuvas virão. E será inconcebível e insuportável para a opinião pública descobrir que as autoridades públicas, mais uma vez, esqueceram-se de que a única forma correta e aceitável de enfrentar as águas de dezembro é impedir uma ocupação das encostas pateticamente, tragicamente, vulneráveis à sua fúria.
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