quinta-feira, 3 de março de 2011

A justificativa para a realização dos cortes

O Globo - 03/03/2011

Recebido com um certo descrédito, devido ao longo período de gastos sem freios que a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, patrocinaram em boa parte da Era Lula, o pacote de cortes de R$50 bilhões tem ligação umbilical com um cenário macroeconômico bastante otimista para os próximos quatro anos. E que serviria de lastro de um novo "milagre econômico", menos pelo nível das taxas de crescimento - impossível repetir os 10% de expansão anual do final da década de 60/início da de 70 - e mais pela extensão do ciclo de expansão.

A taxa de investimento em relação ao PIB deve ter fechado 2010, segundo estimativas do Ministério da Fazenda, em 19%, índice insuficiente para manter a economia num ritmo de expansão superior a 5% anuais, sem pressões inflacionárias e alargamento do déficit externo. Portanto, ampliar os investimentos, públicos e privados, é vital para um país que necessita crescer o mais longo período possível, a fim de empregar os milhões de jovens que entram a cada ano no mercado de trabalho, absorver os subempregados, gerar renda e acabar com a miséria. O governo mira na meta de 24% do PIB de taxa de investimento em 2014, o que daria as condições de o país crescer de forma sustentada, na faixa dos 5% anuais, durante muito tempo, a depender da conjuntura mundial. Confirmado o cenário na vida real, o Brasil, antes do final da década e em termos de PIB, terá ultrapassado Fraa e Inglaterra. Mas existe um longo e politicamente difícil dever de casa para o governo Dilma fazer.

O início da Era Lula, em 2003, também foi de austeridade. Executaram-se cortes, numa política fiscal dura, e, com a complementação de uma política monetária (juros) também rígida, um surto inflacionário foi debelado e criaram-se as condições para a popularidade de Lula. A necessidade de aperto é a mesma no primeiro ano de Dilma, porém com um sério agravante: a margem de manobra do atual governo é bem mais estreita.

Como, na gestão Lula, de que participaram em posições-chave Dilma e Mantega, gastos em custeio engessados por lei foram laados às nuvens, hoje, quando o governo precisa fazer um ajuste fiscal para relaar a economia em novas bases, puxada pelos investimentos, as dificuldades são imensas. Até porque o grande arco de aliaas políticas no poder se acostumou com cofres abertos e generosos. O que pode explicar o fato de, no dia seguinte ao do anúncio do corte, ser liberado um grande aumento para o Bolsa Família, num movimento em sentido oposto.

As despesas com Previdência - ampliadas bastante pelo aumento do salário mínimo - e a folha dos servidores - inchada por contratações e reajustes substanciais - comprometem parcela importante do Orçamento. E não podem ser cortadas. Com poucas alternativas politicamente palatáveis - não se prevê afastar um sequer dos 22 mil ocupantes de "cargos de confiaa" -, o pacote inclui ações nada consistentes como auditorias na folha de salários e no pagamento de alguns benefícios, as quais gerariam alguns bilhões de economia. Quem garante? Auditorias, além disso, devem ser feitas sempre, não apenas na hora de economizar. Mas as despesas em custeio precisam mesmo crescer abaixo da evolução do PIB, para que o melhor cenário se realize. Ele merece ser perseguido, apesar de todos os obstáculos políticos e técnicos.

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