O Globo - Elio Gaspari - 06/02/2011
Os repórteres Leonardo Souza e Andreza Matais informam que a Empresa de Correios recebeu ordens para entrar como sócia minoritária num dos consórcios que disputa a concessão do projeto do trem-bala que ligaria o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas. Ordem dada, ordem recebida. Nunca se fez um estudo para determinar a importância de uma sociedade dos Correios com o trem de alta velocidade. Esse tema nunca entrou na discussão do projeto de financiamento da obra. A ECT só foi chamada para botar dinheiro no trem-bala porque falta quem queira fazê-lo.
A doutora Dilma cuida do trem-bala desde o tempo em que ele era apenas uma ideia e sabe que essa iniciativa já passou por tenebrosas leviandades. Primeiro se esqueceram de Campinas. Depois projetaram uma linha do Rio a São Paulo sem prever paradas intermediárias. Diziam que a obra de R$18 bilhões seria inteiramente financiada pela iniciativa privada. Hoje, com o projeto corrigido, ele está estimado em R$33 bilhões, com R$20 bilhões saídos do BNDES. Ultimamente, ajeitou-se com a mão uma garantia de demanda para o concessionário. (Com garantia de demanda e a mão do BNDES, Eremildo, o Idiota, cria uma empresa de radiotáxi para a Lua.)
Os Correios entrariam no negócio porque 50% do seu faturamento está no transporte de correspondências e mercadorias entre o Rio e São Paulo. Ninguém mediu a demanda para um frete mais lento que o avião e mais rápido que a rodovia.
No Palácio do Planalto, onde Dilma Rousseff dá expediente, aconteceu uma das cenas emblemáticas do época de delírios megalomaníacos do Estado na segunda metade do século XX. Nos anos 70, lá estavam reunidos o presidente Ernesto Geisel, seu ministro dos Transportes, general Dirceu Nogueira, e o professor Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda.
O general Dirceu descrevia as maravilhas do projeto de uma linha que transportaria minério das jazidas de Minas Gerais ao porto do Rio. Era a Ferrovia do Aço e teria mais de 100 túneis, um dos quais com 8,6 quilômetros de extensão. Joia do Brasil Grande, ficaria pronta em mil dias ao preço de US$1,2 bilhão e as composições rodariam a 100 quilômetros por hora.
Foi quando Simonsen perguntou: "General, essas pedras têm pressa?"
(A linha só ficou pronta em 1990. Custou pelo menos o triplo.)
As pedras não tinham pressa. Quem a tinha eram a banca internacional, empanturrada de petrodólares, e os fornecedores de equipamentos ferroviários, emparedados pela recessão europeia. Precisavam de freguesia para seus produtos e seus empréstimos.
Nesse tempo delirante, o governo de São Paulo comprou, por US$500 milhões, 80 locomotivas elétricas da fornecedora francesa Alstom. O repórter André Borges mostrou que, 30 anos depois, 48 delas continuam encaixotadas num galpão de Campinas e irão a leilão, como sucata, valendo, no máximo R$0,30 o quilo.
Os desastres do passado ocorreram porque "o Planalto mandou tocar" obras sem projetos ou respeito às leis do mercado. O trem-bala não precisa seguir o mesmo caminho. Se ele é viável, haverá investidores interessados. Se é inviável, inviável é.
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