Restos da campanha
O Globo
Houve uma denúncia de manipulação da licitação pela Folha de S. Paulo, que soubera do resultado muito antes da abertura das propostas e registrou o fato em cartório, e a licitação foi anulada, trazendo evidentes prejuízos políticos para Serra.
Se não é verdade, é bem verossímil.
O governo, por sua vez, está revelando nos últimos dias como pensou em tudo para ganhar a eleição.
Não tratou de assuntos delicados na campanha, como as reformas estruturais, e quando o fez foi para prometer reduzir a carga tributária.
Mal se fecharam as urnas, nós os cidadãos ficamos sabendo que havia um movimento de governadores para ressuscitar a famigerada CPMF, e a presidente eleita, embora seja contra, se dispõe a estudar as “necessidades” dos estados.
Estourou também o escândalo de inépcia do Enem, um outro tipo de trapalhada, diferente da ocorrida em 2009, mas sempre prejudicando os alunos.
Sorte do governo que o Enem foi realizado em novembro, depois das eleições.
Sorte não, precaução.
O Enem foi realizado em setembro em 2008 e em outubro em 2009, e este ano, alegadamente por causa das eleições, o calendário teve de ser alterado para novembro.
Como se sabia que a eleição, tanto no primeiro como no segundo turno, tinham dias marcados (3 e 31 de outubro), não havia impedimento para que o Enem fosse realizado em qualquer outro dia, ou mesmo em setembro.
Mas como gato escaldado tem medo de água fria, o governo se precaveu e jogou para novembro a crise que realmente aconteceu.
Como sempre o presidente Lula começou falando grosso com elogios à organização do exame e foi cedendo à opinião pública até admitir que novas provas poderão ser realizadas.
E tem ainda a medida provisória dando, através do BNDES, R$ 25 bilhões para financiar o trem bala entre Rio e São Paulo, dando como garantia as ações de uma companhia privada que ainda não foi constituída, e mais um provisionamento de R$ 5 bilhões para o caso de necessidade.
Isso depois que a presidente eleita ficou a campanha inteira afirmando que o trem bala era importantíssimo, mas não receberia dinheiro público.
O caso mais grave, no entanto, foi o do Banco Panamericano, que o governo sabia que estava quebrado pelo menos desde agosto, devido a uma auditoria rotineira do Banco Central.
O fato de ter havido uma solução de mercado, com a utilização do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para cobrir o rombo de R$ 2,5 bilhões, é louvável, mas não é exatamente correto o governo dizer que não houve dinheiro público na transação.
Quando a Caixa Econômica Federal assumiu 49% do Banco Panamericano em 2009, ele já estava quebrado, sabe-se hoje.
É estranho que a Caixa tenha investido em um banco que há quatro anos maquiava seus resultados sem perceber o que agora aparecem como “indícios de crime do colarinho branco”, na definição do Banco Central.
Mesmo que o empresário Silvio Santos perca todo o seu patrimônio, o erário público terá sofrido um baque com a queda das ações de um banco de que a Caixa Econômica não deveria ter comprado uma participação tão efetiva.
Ou houve uma inépcia muito grande das auditorias independentes e da própria direção da Caixa, ou muita vontade de ajudar uma empresa em dificuldades, de um empresário muito influente nos meios de telecomunicação.
O Banco Central identificou em agosto que havia fraude nos balanços do Banco Panamericano, e o assunto ficou sendo negociado em segredo até recentemente, com a peculiaridade de que a reta final deu-se justamente entre o primeiro e o segundo turno das eleições.
A sequência do caso é muito sintomática: a fraude foi detectada em agosto, no dia 20 de setembro o empresário Silvio Santos esteve no Palácio do Planalto com o presidente Lula e em 11 de outubro começou a negociação.
Esse timming da negociação, misturado ao timming político, não diz coisas boas sobre a atuação dos envolvidos nela, e nem mesmo verossímil que a audiência com Lula tenha sido para tratar do Teleton.
Lula diz que não é papel do presidente da República tratar de negócios de bancos privados. E tratar do Teleton é?
No dia 20 de outubro, o candidato oposicionista José Serra foi agredido por um bando de petistas em Campo Grande, no Rio, quando fazia uma caminhada com seus correligionários.
A certa altura do tumulto, foi atingido na cabeça por algo pesado, que lhe provocou fortes dores.
Mais tarde, o artefato que atingiu Serra foi identificado como um rolo de fita.
O telejornal matinal da rede de TV SBT, no dia seguinte, exibiu uma filmagem que pretendia reproduzir a seqüência dos fatos ocorridos em Campo Grande no dia anterior, mostrando que Serra fora atingido apenas por uma bolinha de papel e só colocara as mãos à cabeça 20 minutos depois, após conversar com alguém pelo telefone.
A denúncia de que o candidato da oposição armara uma farsa para tentar tirar proveito político de um tumulto insignificante foi prontamente adotada por ninguém menos que o próprio presidente da República, que passou a divulgar a versão do SBT como a verdade dos fatos.
No mesmo dia à noite, o Jornal Nacional demonstrou, com base em uma perícia de Molina, que o momento em que a bolina de papel atingiu Serra é completamente distinto do outro, em que ele foi atingido pelo rolo de fita.
Mas a versão da bolinha de papel foi usada até mesmo na propaganda eleitoral gratuita da campanha petista, e serviu para neutralizar o provável prejuízo político que a campanha petista sofreria.
Acesse o link:
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/11/12/restos-da-campanha-340179.asp
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/
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