sábado, 6 de novembro de 2010

A cara pra apanhar

A cara pra apanhar

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 05/11/2010
É afoiteza reavivar a CPMF sem discutir a situação fiscal e opções ao financiamento da saúde.

Sem ter ainda escolhido a formulação da política econômica de seu governo e elencado as prioridades e sem saber a exata situação das contas fiscais do país enquanto presidente eleita e não como chefe de ministério, Dilma Rousseff se arrisca cedo demais a dar a cara para apanhar, caso encampe, como sugere que vai fazer, a recriação da CPMF sob a moldura de Contribuição Social para a Saúde (CSS).
É afoiteza reavivar a CPMF sem discutir a situação fiscal e opções ao financiamento da saúde
Mais grave para ela, que negou na campanha eleitoral interesse em criar impostos, citando especificamente a CPMF, banida no final de 2007 pelo Senado por pressão empresarial e de setores da sociedade — não por “vingança” da oposição, como insiste o presidente Lula e voltou a reafirmar na quarta-feira, durante entrevista acompanhada por Dilma. O espectro da CPMF continua a assombrar como maldição.
Lula levantou a bola e Dilma encaçapou. Ele disse que a oposição teria suprimido R$ 40 bilhões da saúde. E ela acrescentou: R$ 160 bilhões, referindo-se à arrecadação potencial ao longo do mandato.
Ao mesmo tempo em que manifestou dúvidas sobre se deve aumentar a carga tributária com um novo imposto ou majoração de alíquotas, já que a arrecadação cresce aos saltos pela expansão da economia, ela afirmou saber que há um movimento de governadores recém-eleitos em favor da volta da CPMF. Todos são de partidos da base aliada — e à frente deles o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB.
Para alguns parlamentares, aprovar a CSS conforme projeto em fase final de tramitação na Câmara seria um desagravo a Lula, além de atender a área da saúde. Para os governadores eleitos, trata-se de reforçar o caixa. A ideia de reparação a Lula é só o álibi.
A Emenda Constitucional 29 aprovada no Senado — na qual se insere o clone da CPMF introduzido na Câmara ao apreciar o projeto dos senadores — regulamenta o aumento da fatia obrigatória destinada à saúde das receitas fiscais da União, estados e municípios, além de detalhar os itens que compõem essa despesa. O governo federal tem alguma folga orçamentária para atender tal dispositivo, mas não os estados e municípios, que já estão sufocados.
Muitos nem cumprem o que já é obrigatório. Não faltam desvios. Há quem inclua gastos em saneamento como despesa com saúde. Tem algo a ver, mas não é esse o espírito da vinculação do gasto com saúde.
Outros incorporam os salários do pessoal de saúde, o que é também vetado. Fato é que, com ou sem CPMF, saúde é um problema de enorme dimensão, e não só no Brasil — e tende a aumentar na medida em que a população envelhece e cresce a expectativa de vida.
1º, a saúde dos juros
Afora os problemas específicos da saúde pública, há outros nem um pouco menos sérios e urgentes, como o equilíbrio fiscal das contas do governo federal. Por tal prioridade é que desde a sua primeira encarnação, em 1993, a CPMF tem se prestado a engordar o superavit primário, usado pelo governo para pagar juros da dívida pública.
Foi assim em todos os governos, inclusive no atual. Mas que fosse respeitada zelosamente a vinculação da receita da CPMF e nem assim é garantido que o orçamento da saúde estaria protegido. O governo trabalha com caixa único, e o dinheiro arrecadado não é carimbado.
As inépcias vinculadas
Se certo item tem o custeio engessado como percentagem da receita de algum tributo ou do orçamento geral, o comum é que logo comecem a cessar os repasses voluntários para a área. Não é improvável que no médio prazo o dinheiro para tal fim diminua em vez de aumentar.
A receita vinculada é sempre uma ferramenta de gestão ruim, pois algema o administrador público, dificulta a integração dos setores sociais, como educação com saúde e esta com saneamento, e impede a redefinição de prioridades dentro de um mesmo exercício e ao longo do mandato do governante. Se assim é, por que existe a vinculação?
Oportunidade de Dilma
A desconfiança dos operadores públicos e de sua clientela quanto aos propósitos do governante é que leva os parlamentares a acatar as pressões pela verba engessada dentro do orçamento. Assim, ainda que os governadores defendam a CPMF no custeio do aporte aumentado pela Emenda 29 para a saúde, a solução apenas prova o que se sabe: sem amarras, eles estariam vulneráveis às pressões para gastar em outros fins, como salários e obras demandadas por empreiteiros.
Dilma conhece tais problemas, que são da saúde, da educação e da assistência social, todas com verba vinculada. Ela tem a chance de abrir um debate federativo sobre o custeio dos programas sociais, suas necessidades e a execução orçamentária. Isso nunca se fez.
A Federação redundante
Com o orçamento federal crescentemente engessado pelas despesas obrigatórias, o governante está aos poucos perdendo liberdade para governar. As sequelas são o desvirtuamento do crédito dos bancos estatais para usos fiscais e o endividamento do Tesouro Nacional. Reforma tributária em tal contexto não trará o que muitos supõem: alívio do ônus impositivo. Não, se mantida a Federação redundante, com as obrigações replicadas entre as três instâncias federativas, como saúde e educação. Tem-se um gasto ocioso que só tem crescido.
Outro estrangulamento é o de transferências de renda como atalho a carências do mercado de trabalho e de educação dos setores sociais à margem do crescimento. Dilma vai encarar tais desafios ou torcer para que se resolvam com o tempo? Propor a CPMF já é uma resposta.
Acesse o link: A cara pra apanhar
            Fonte: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/
               Site: http://www.correiobraziliense.com.br

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